"O problema é..." sobre homens que pagam pensão, mas sempre reclamam
Por: Carla Santos Santiago - citra108dasi@gmail.com
Certos comportamentos no machismo não são tão lineares como imaginamos. A complexidade do ser humano faz com que atitudes opostas ocupem um mesmo lugar. É o que, particularmente, percebo na paternidade participativa, afetiva e comprometida, mas que, simplesmente, é machista no seguinte: eles não estão comprometidos com a pensão.
A gente já conhece a lenda urbana - mais real que nunca - dos pais que simplesmente somem e esquecem de suas crias, ao ponto de não se comprometerem nem em colocar seus nomes na certidão de nascimento dos filhos. No Brasil, são mais de 5,5 milhões de crianças sem o nome paterno no documento de nascimento. Mas, e aqueles que se responsabilizaram em sua paternidade, colocaram seus nomes na certidão do pequeno/a e ainda se dedicaram a participar da vida dele/a? Por que eles, ao se separarem de suas cônjuges, não conseguem se comprometer financeiramente com o bem-estar das crianças e se sentem explorados por isso?
Esses homens se dedicam a construir uma relação com o filho/a, concordando com as regras da convivência (tudo bem, reclamando um tantinho para que se adapte a rotina dele) e até questionando quando sentem que poderiam passar mais tempo. Eles são afetuosos as suas crias, demonstram carinho, atenção e, ainda que não saibam o nome da pediatra ou qual o número do sapato da criança, esses pais sabem o gosto dos seus pequenos e estão acompanhando com certa proximidade o desenvolvimento deles e as mudanças de fase, na medida que o tempo passa. Ainda assim, eles implicam - e muito - com a pensão. Por quê?
Observando várias histórias, montei aqui uma pequena lista dos possíveis comportamentos
desses camaradas. Observem:
- Eles pagam, mas sempre reclamam que o valor poderia ser menor.
- Eles pagam, mas não aceitam de forma alguma aumentar o valor.
- Eles pagam, mas escondem outras rendas para que o juiz não os obrigue a pagar mais.
- Eles pagam, mas questionam se também precisam pagar os presentes e os passeios, se isso não deveria ser descontado da pensão.
- Eles pagam, mas desconfiam que você está exagerando no valor e usando para si.
- Eles pagam, mas nunca se mantém em um trabalho fixo para se comprometer com a pensão porque estão lutando pelo “sonho” deles.
Essas figuras vão fazer todas ou parte dessas reclamações, sempre com a ressalva de que sabem da importância da pensão e que jamais querem afetar esse compromisso financeiro, mas, acham relevante os questionamentos que apresentam. Parece que a implicância deles não é exatamente pagar, mas o dinheiro ter que ser entregue nas mãos do adulto responsável por essa questão: a mãe. Eles se incomodam profundamente com isso e, por vezes, anunciam que não querem mais entregar em espécie o valor, mas, em compras para a casa e a criança. Ou eles dizem que, se o dinheiro dele não fosse todo para a pensão, poderia estar separando uma parte para uma reserva financeira para o filho/a, mas a implicância da mãe o impede de fazer isso.
Agora eu começo a desenhar o caminho até a minha resposta. Dado os questionamentos do genitor, parece que o maior obstáculo da sua inconformação diante da pensão é ela, a ex-esposa, a mulher que está ocupando o papel de mãe da criança e possui a guarda dela e, logo, o direito a receber o dinheiro e coordená-lo nos gastos do filho/a e da casa. O fato de ele precisar, por vezes judicialmente, enviar à conta da figura materna o seu dinheiro lhe causa uma sensação de impotência. Isso é tão real que, nos embates nos fóruns,
eventualmente, acontece do lado paterno pedir ao seu advogado que obrigue a mãe a comprovar, com notas fiscais, todos os gastos que está tendo no sustento da criança.
A pensão traz à tona uma relação dos gêneros com o dinheiro. Para o homem, o dinheiro tem o simbolismo de poder, autossuficiência, ambição, vitória e de destaque entre seus grupos de amigos. Ele foi treinado a ser a figura provedora, que luta no mundo pela renda da família. Já a mulher é normalmente alienada de qualquer conhecimento sobre ter uma renda e, quando a possui, é pressionada a dedicar isso apenas aos seus bem-querentes.
“Nesse sentido, o sucesso econômico assume diferentes significados de acordo com o sexo. No caso do homem, trata-se de alguém bem-sucedido e, no caso da mulher, ‘aquela que conseguiu compensar um fracasso em sua realização feminina’ (Coria, 1996, p. 42)” (p. 237)
O trecho acima, do livro “Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação” da Valeska Zanello, interpreta os dois lados da moeda do gênero quando o assunto é dinheiro. Resumidamente, quem tem direito a ter o dinheiro é o homem. Cabe à mulher cuidar das providências permitidas pelo dinheiro, como a criação dos filhos e os cuidados da casa. Eu concluo que esse seja o ponto de embate dos pais sobre a pensão porque, nas inúmeras histórias que acompanho, percebo que eles não tem problema de
bancar a família quando o casal está junto. A implicância acontece especialmente na pós-separação, quando ele vê parte da sua renda sendo entregue diretamente, e em espécie, à mãe da criança.
Não é sobre o peso do compromisso financeiro com o filho/a, até porque essas figuras, em particular, mantêm os pagamentos em dia, na maior parte das vezes. O problema está na transferência de poder que acontece quando eles mensalmente lançam nas mãos da figura materna uma quantia de dinheiro considerável. Eles possivelmente odeiam a ideia de entregar a elas o papel indireto de provedoras, especialmente sendo alguém a quem eles não possuem mais o compromisso conjugal. Esses tipos de pais devem ficar agitados por perceberem que estão perdendo seu poder econômico simbólico com a entrega regular da pensão.
Para alavancar meu argumento, aponto também que, quando a ira lhes incute a cabeça por conta de uma discussão com a mãe, o tal pai bonzinho, legal, participativo e carinhoso, consegue lançar ameaças como “mês que vem, não pago mais”, “se botar na justiça, o juiz vai fazer eu pagar menos”, “vou descontar a viagem que fiz com ele na pensão”. Será que, nesse momento, eles não conseguem perceber que qualquer tipo de corte, diminuição, redução do valor afeta diretamente o filho que tanto amam? Que a criança poderá ter sua alimentação afetada? Ou sua saúde, sua escola, suas vestimentas, ou seu lazer?
E caso isso aconteça, o que ele vai dizer ao filho que está chorando porque naquele mês não comeu o lanche que tanto gosta ou não pode passear no parquinho do shopping? Se ele for muito cara-de-pau, provavelmente colocará a culpa na mãe, que não sabe se organizar para aproveitar o dinheiro que ele envia mensalmente à criança. Percebem qual o foco da questão? O problema dos pais que “pagam, mas reclamam” não é exatamente o compromisso financeiro regular, mas a indisposição que a pensão causa ao entregar o seu poder econômico a pessoa a quem ele não suporta a ideia de estar em qualquer posição superior a dele, a mãe.
FONTES:
https://ibdfam.org.br/noticias/7024/Paternidade+respons%C3%A1vel:+mais+de+5,5+milh%
C3%B5es+de+crian%C3%A7as+brasileiras+n%C3%A3o+t%C3%AAm+o+nome+do+pai+na
+certid%C3%A3o+de+nascimento
ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação.
Editora Appris, 2020.