Amo minha filha, amo a maternidade. O que eu odeio é o patriarcado branco.
Por: Yasmin Rodrigues - Postado em 21 de outubro de 2023
"Amo minha filha, mas odeio a maternidade" é uma das frases por onde milhares de mulheres têm escoado sua exaustão, a sobrecarga, a dor da solidão e da necessidade de escolher se vai viver como se só fosse mãe ou se vai viver como se não tivesse filhos. Mas nada disso é natural.
Quero poder transformar essa sentença. Primeiro porque essa ideia de maternidade certamente está sendo construída por homens, sobretudo os brancos. Essa ideia de que a maternidade é uma prisão dentro de casa só pode ter sido criada por quem não materna - e não quer partilhar espaço no mundo com quem o faz. Venho mergulhando na necessidade de criar meus próprios significados e, aliás, acho que esse é um exercício fundamental de empoderamento feminino. É preciso narrar nossa história a partir de nossas próprias categorias. Nesse processo, passei a estranhar a naturalização do suplício associado a maternidade. Ora, se a maternidade ocupa parte considerável da vida de muitas mulheres, certamente não são essas mulheres que estão designando que mães-não-podem, mães-não-devem, mães-somem, mães-empobrecem.
Amo minha filha e amo a maternidade. Foi com a maternidade que cheguei até minha filha, ora bolas. Amo ser mulher! Foi a dádiva de gerar alguém que me aproximou das minhas maiores fragilidades e potências, que me fez sentir tudo ou mais do que sequer achei que poderia. É por ser mãe que acompanho a doçura que é o crescimento de uma criança, uma menina que, se quiser, poderá ser mãe também. E não vai precisar doer.
Isso porque, na ideia de maternidade que estou construindo, só cabem as dores que são nossas, próprias da delícia de viver. As demais, criadas para punir mulheres por sua biologia e pela potência de gerarem, devem ser combatidas e não naturalizadas. Mães podem. Devem. Mães vão, fazem. Aparecem. Cansam. Pedem ajuda. Se divertem. Estudam, falam, escrevem, gozam, choram, adoecem, param. Mães precisam desapegar urgentemente das ideias que atrelam a maternidade ao martírio, como se fossem indissociáveis. Só assim associaremos esse sofrimento à experiência de subjugação ao patriarcado branco e não a uma experiência que nos interliga a outras milhões de mulheres e que pode ser ponte para muitas descobertas. Assim, paramos de naturalizar o martírio, paramos de “padecer no paraíso” e começamos a produzir constrangimento a quem nos faz padecer. É nesse processo que transferimos para os homens - e seus aliados - o problema pelas dificuldades criadas para a vida das mulheres.
A experiência de maternar é uma atividade profundamente criativa: veja que as mães apresentam o mundo para as crianças, então são grandes narradoras da realidade. Nós estamos produzindo o mundo o tempo todo - no passado, criando e mantendo memórias, no presente, ao manter Quero subverter a sentença "nasce uma mãe, nasce uma culpa" para "nasce uma mãe, nasce um desejo". Nos amplia. Quem está dificultando o caminho é que deve ser enquadrado. Certamente não são as mulheres e nem as crianças.
Frente a racionalidade patriarcal branca, sejamos nós a partir de nós.