Humanizando o Parto para Humanizar a Sociedade
"É um tanto curioso como mesmo após tantos anos de discussões e estudos acerca dos partos, falar em humanização seja um tabu ou mesmo assunto desconhecido entre muitas pessoas (...)"
É um tanto curioso como mesmo após tantos anos de discussões e estudos acerca dos partos, falar em humanização seja um tabu ou mesmo assunto desconhecido entre muitas pessoas. No Brasil, tais debates estão em pauta desde meados da década de 1970 pelo menos e ainda assim, em 2020, somos um dos países que mais cometem violências obstétricas e que submete mulheres à cesarianas desnecessárias. O que percebo à partir da minha militância pela humanização do parto e feminista, é que boa parte da sociedade entende a abordagem como assunto de interesse exclusivo de mulheres mães. Mas partir desta premissa é um grande equívoco, já que podemos considerar o parto como um evento de cunho social e político.
Pensar em humanização do parto é antes de mais nada pensar em uma nova constituição de
sociedade. Portanto, rever os moldes dos nascimentos no Brasil e combater as violências obstétricas, é em consequência, também combater a violência institucional contra as mulheres, muitas vezes inclusive, atravessada não apenas pela questão de gênero, mas também pelo racismo, já que a maioria das mulheres vítimas de violências obstétricas, são negras.
A pasta da humanização do parto também deve estar dentre as pautas feministas, uma vez que está diretamente relacionada aos direitos reprodutivos e sexuais. Afinal, como pensar em descriminalização do aborto, sem exterminar as práticas de violências obstétricas nos próprios nascimentos? Se uma mulher em um momento considerado tão sublime socialmente como o de gerar e trazer ao mundo uma vida, é atravessada por violências, sem dúvida, será muito mais estereotipada e violentada em seu contraponto, no caso, o aborto.
Para além de pensar a questão da humanização do parto nestas esferas tão importantes
citadas acima, convido vocês a refletirem sobre a humanização da gestação e parto como uma dinâmica que vai mais a fundo socialmente, em termos de mudanças. Neste sentido, me refiro à humanização como caminho para a mudança das relações na sociedade. Pois, uma vez que, mães e crianças compõem uma categoria social, pensar nas dinâmicas em que são construídos os afetos e acolhimento desde a gestação até o pós-parto, está totalmente relacionado com o pensar a constituição sócio-emocional e cognitiva de seres humanos da primeira infância à fase adulta, em uma perspectiva que é sobretudo, educacional. Pois bem, se a educação é uma das principais bases estruturantes para alcançarmos mudanças importantes na sociedade, logo, faz-se necessário pensar em todos os sujeitos envolvidos neste processo. E pensar esses sujeitos requer estabelecer possibilidades para que o início da vida seja marcado por uma gestação acolhida e respeitada, por um parto sem violências e traumas tanto para a mãe quanto para a criança, por uma amamentação estimulada sem interferências negativas, por uma relação de afetos que além da mãe e criança, estejam firmados em uma rede de apoio e acolhimento para ambos.
Uma mãe que é acolhida durante sua gestação, tem um parto respeitoso, não é privada de amamentar, conta com uma rede de apoio familiar e também de profissionais da saúde, inclusive do ponto de vista psicológico, certamente conseguirá estabelecer um vínculo mais sólido com a criança que trará ao mundo. O que por sua vez, contribuirá para a formação sócio emocional e cognitiva desta criança enquanto ser humano. É a partir desta reflexão que precisamos encarar estes debates e estudos não só como um assunto de quem quer ser mãe, mas de todas as pessoas em termos de questões sociais. A gestação, o parto, a amamentação não devem ser lidos como assuntos exclusivos de quem tem útero, mas sim, como pautas de extrema relevância social.
Sobre a autora:
Luana de Paula Santos, mãe do Luís, Professora de Desenvolvimento Infantil efetiva no munícipio de Osasco, Pós - graduanda em Humanidades: Educação, Política e Sociedade no IFSP/Pirituba, Pós - graduanda do MBA em Gestão Escolar - USP Esalq, Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras/Libras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Licenciada em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho, Licenciada em História pela Universidade Federal de Mato Grosso/CUR, Doula e Facilitadora de Aleitamento Materno, Colunista do Núcleo Materna.