Cinco Motivos Para Mulheres-Mães Escreverem suas Histórias
"Apesar de ainda termos muito chão pela frente nas lutas acerca de gênero, raça e classe, habitamos um tempo e espaço em que temos a possibilidade de relacionamento com a escrita. Em que, salvo alguns casos que precisamos combater, somos mulheres livres para pensar e exprimir o que sentimos, ainda que isso incomode percepções hegemônicas do feminino (...)"
Eu amo listas. Elas estão constantemente presentes em meu dia-a-dia para que essa vida materna, militante, científica, dentre outras vidas acopladas a esta possa ser organizada, distribuída e visualizada de modo mais claro. Por isso quando fui convidada a integrar este projeto maravilhoso que é o Núcleo Materna resolvi que trabalharia com listas.
Na lista de hoje, elaborei, através de algumas leituras e reflexões sobre a produção de conhecimento por mulheres-mães, 5 motivos para mães escreverem suas histórias. Partindo do princípio de que, como em Anzaldua ou Audre Lorde, o ato de escrever para mulheres é um atrevimento a um sistemaque de todo modo busca nos silenciar, enumero abaixo os motivos para você pegar papel e caneta.
Contudo quando falo de escrever não me refiro a grandes narrativas ou textos extensos, eles são muito importantes, mas há também as pequenas notas cotidianas, uma breve observação de como estou me sentindo hoje, uma descrição sobre um aborrecimento. Todas essas pequenas coisas são uma produção textual valiosa pois nos ajudam a refletir sobre as sutilezas e detalhes que compõem nosso cotidiano. É um eu do presente que conversará ao mesmo tempo com um eu do passado e do futuro.
Lembro quando escrevi em 2017 que minha vida tinha acabado e que ela já não valia a pena, grávida e sozinha no Rio de Janeiro. Sempre que leio meus escritos dessa época sinto que estou abraçando aquela garota insegura e triste que fez seu teste de gravidez no banheiro da Faculdade de Letras da UFRJ. Sinto também toda a luta que empreendi para que hoje me considere uma mulher mais confiante. Desde então escrever pra mim é também um exercício de cura e de poder. Então vamos aos argumentos para que você também se sinta incitada a escrita de si.
Motivo 1: Você faz parte de uma geração de mulheres que pode e sabe escrever
Apesar de ainda termos muito chão pela frente nas lutas acerca de gênero, raça e classe, habitamos um tempo e espaço em que temos a possibilidade de relacionamento com a escrita. Em que, salvo alguns casos que precisamos combater, somos mulheres livres para pensar e exprimir o que sentimos, ainda que isso incomode percepções hegemônicas do feminino. Ao decorrer dos séculos a mulher foi, através de medidas econômicas e religiosas, impedida de expressar o que sentia, falar configurava uma ação imprópria aquelas cuja ocupação primordial de vida deveria ser o cuidado da casa e dos filhos. Essas mulheres por vezes passavam uma vida inteira em submissão a um sistema patriarcal que esmagava sua subjetividade. Se nós pensamos habitar um presente e um futuro em que o que sentimos seja considerado e refletido, devemos tomar a escrita como uma ferramenta útil de busca e registro de nós.
Motivo 2: Escrever nos ajuda a perceber e compreender nossas ações e sentimentos com nossos filhos e com nós mesmas
Quando Elisabeth Badinter ousou escrever, em 1985, que o amor materno não era um instinto, mas uma produção sociocultural, ela foi retalhada por estar perfurando uma certa lógica do que é o amor de mãe. E até hoje é recebida com desconfiança por aquelas que acreditam na maternidade como algo divino ou como única possibilidade de uma mulher se sentir completa. Sempre que uma mulher ousa questionar discursos há muito tempo solidificados e tidos como “naturais” ela se torna imediatamente alvo de questionamento e ofensa. Quando escrevemos em nossos cadernos pessoais temos a possibilidade de compreender que o amor, assim como outras particularidades que nos foram vendidas como naturais não são exatamente como os manuais apontam. Tem aquele dia que queríamos estar sós, sem nossos filhos, aqueles dias que estamos indispostas a atender as necessidades deles, aqueles dias em que a paciência ficou na cama após levantarmos. E isso é perfeitamente normal, pois somos de carne de osso, não de ferro e culpa. Porque a sociedade nos impõe que sejamos 24h amor de mãe e isso não é uma realidade absoluta. Escrever sobre esses momentos nos ajuda a entender que somos pessoas com forças e fraquezas, disposição e preguiça, afeto e dispersão. Humanas e não super-humanas.
Motivo 3: Seus filhos um dia quererão saber quem vocês foram
Tive conflitos durante toda a vida com a minha mãe, ela era insistente para que eu estudasse e me tornasse uma mulher independente. Quando engravidei esses conflitos ficaram horríveis e eu sempre nutri uma raiva que eu autobloqueava, para não parecer que não gostava da minha mãe porque isso é um sentimento tomado como proibido. Só muito tempo depois, ouvindo minha vó sobre como foi a vida da minha mãe, que precisou tomar conta da casa e dos seis irmãos quando ainda era uma criança, fui compreender o porquê dela insistir em me fazer ser uma mulher estudada e dona da minha vida, e porque ficou tão decepcionada e com raiva de eu ter engravidado. Só conhecendo a história real dela, pude compreender suas atitudes e postura diante do mundo. Nós mães as vezes escondemos e silenciamos coisas de nossos filhos para que eles não sofram, isso é um movimento comum de afeto, mas que parte de nós, colocada em esquecimento, não retorna vez ou outra para nos interpelar? Por isso escrever sobre nós vai render um bom material para que um dia, quando nossos filhos já puderem conversar conosco sobre coisas complexas, nós dialoguemos sobre nossas memórias, as coisas do nosso tempo e em especial a luta que foi cria-los. E dessa forma estabelecer um diálogo afetivo para que eles em suas próprias gerações sejam melhores e mais conscientes que nós.
Motivo 4: Escrever ajuda na saúde mental
Algumas pesquisas conduzidas pela Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, em que um grupo de pessoas foi convidado a escrever todos os dias sobre os problemas cotidianos que enfrentavam apontam que, aquelas pessoas que adquiriram o hábito diário de escrita, reduziram drasticamente os hormônios ligados ao estresse no corpo. Observou-se também após algumas semanas de estudo, uma melhora significativa no sistema imunológico. Estudo semelhante foi realizado na Universidade de Iowa onde os indivíduos que escreveram sobre eventos que lhes traziam estresse de 15 a 20 minutos de
três a cinco vezes por semana conseguiram superar com maior facilidade esses acontecimentos do que aqueles que não tiveram essa atitude. Houve ainda uma melhora nas funções do fígado, do pulmão e a pressão arterial é reduzida, ou seja, um exercício de saúde mental implica diretamente em nossa saúde física e precisamos das duas pra enfrentar os desafios cotidianos da maternidade.
Motivo 5: A escrita de si é um ritual de autoconhecimento
Longe de querer parecer aquela pessoa namastê, gostaria de defender que práticas de autoconhecimento são essencialíssimas para uma conversa que não podemos fugir, a com nós mesmas. Quando escrevo sinto que falo a mim mesma. E acreditem, quando daqui há alguns anos vocês lerem o que escreveram hoje, é possível que saiam algumas lágrimas, mas é possível também que você ria e se emocione com a jornada que empreendeu quando foi um dia nomeada como “mãe”. * Sei que para algumas mulheres que estão em tempos difíceis na dinâmica de cuidado, com filhos recém-nascidos ou pequenos que demandam intensa atenção, às vezes não arranjam tempo nem para lavar o cabelo. Então como ainda arranjar tempo escrever?
Então relembro que há todo um sistema que busca justamente nos impedir de tentar exercícios de autocuidado, autorregistro e voz. E é ele que combatemos. Ele busca através de uma carga de trabalho imensa que não exercitemos nossas subjetividades e escrevamos sobre nossas dores, que sempre acabam sendo guardadas dentro de nós e nos fazem mal. E assim nossas histórias ficarão guardadas num tipo de esquecimento de nós mesmas, como nossas antepassadas em sua maioria precisaram silenciar. Aproveitemos as oportunidades que conquistamos de poder escrever e pensar nossa condição materna não como uma subalternidade, mas um discurso do qual devemos transcender e nos apoderar. E assim efetivamente tomar posse de nossas (r)existências.
Escreva mulher, escreva.
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