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"Sai Daqui Mulher com a sua Prole": entre os textos, os contextos e as fraldas

"Por que não usou camisinha?"; "Como isso foi acontecer logo com você, feminista?";

"Agora você vai ter que trancar o curso e voltar para São Paulo"

Esses foram os discursos mais comuns que ouvi da comunidade acadêmica ao divulgar minha gravidez, aos 22 anos de idade, durante o segundo semestre da minha graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Mato Grosso/Câmpus de Rondonópolis, em 2014. De lá para cá já se passaram 6 anos, e mesmo após formada, eu ainda sigo lutando pra poder existir e ocupar com meu filho, espaços que deveriam ser nossos por direito. Nossa resistência se dá para além do âmbito acadêmico, mas hoje é da universidade que quero falar, em forma de denúncia, a partir de um corpo que já está esgotado de todos os descasos e exclusões, que sobretudo, têm um peso histórico atravessado pelas questões de gênero, raça e classe.


Mãe solo do pequeno Luís, paulistana, 27 anos, professora e ainda estudante, hoje na pós-graduação e também em uma terceira licenciatura na modalidade EAD, ainda segue latente o quanto as instituições de ensino não estão preparadas para a dinâmica das múltiplas jornadas de uma mulher que é mãe, e pior, tampouco, têm se proposto a repensar os nossos lugares e demandas dentro dos espaços acadêmicos. Basta olharmos pra própria UFMT (ou UFR no caso do câmpus de Rondonópolis, que hoje já é uma universidade “autônoma”), fazem pouco mais de 2 anos que concluí minha graduação na instituição, e ainda a universidade não dispõe do básico para atender as demandas de mulheres que necessitam levar seus filhos às aulas, me lembro que nas campanhas eleitorais para pró-reitoria e também para reitoria, muitas foram as promessas dos candidatos e candidatas em torno das pautas da maternidade universitária: promessas de fraldário nos banheiros, promessa de alteração da resolução Consepe que impede mães de levarem os filhos às viagens universitárias em veículos institucionais, promessas de tentativas de parceria com o município para uma creche que não só atendesse às mães e servidoras da UFMT mas também a comunidade em geral, e tantas outras; e nenhuma cumprida.


Eu não fui a única mãe a passar pelas cadeiras discentes da UFMT e tampouco serei a última. Mas ainda assim, a universidade se faz inerte à pautas que são tão urgentes e necessárias. Não há uma política de assistência estudantil voltada para as mães e pais universitários, o que indubitavelmente leva à uma evasão nos cursos. Eu tive uma rede de apoio entre colegas de curso e docentes do departamento de história, e agradeço por isso. Mas institucionalmente a universidade falhou e ainda falha quando o assunto é oportunizar às mulheres mães não apenas o acesso, como também assegurar a permanência e formação.


Sutilmente todos os dias somos expulsas com nossas crianças para fora dos espaços acadêmicos, ou na “melhor” das hipóteses, empurradas para uma graduação EAD; e quando poucas de nós resistimos e permanecemos nestes espaços, somos tratadas como invisíveis.


Eu me via dentro do espaço acadêmico, tendo que segurar toda a barra da maternidade, do luto do falecimento de minha mãe, da universidade e de ser uma mulher negra e periférica, muitas vezes sozinha. Mas Luana, você teve uma rede de apoio, não é? Tive sim, mas mesmo com essa rede, há uma série de situações que são subjetivas a mim, e que nem meus melhores amigos e amigas poderiam vivenciar em meu lugar. Portanto, mesmo com as mãos de ajuda estendidas, eu tive que passar por algumas situações sozinha e lidar com uma universidade que não conseguia enxergar nem a mim e nem ao meu filho, como sujeitos de direitos.


Inúmeras foram as vezes que deixei de participar de eventos acadêmicos porque o Luís ficaria inquieto e as pessoas olhavam torto, e mais ainda deixei de ir à viagens universitárias porque a instituição negava meus pedidos de autorização (consegui levar em apenas uma no meu último ano); tantas outras vezes fui apontada como incapaz de produzir academicamente por ser mãe.


Neste sentido, me atrevo a dizer que a universidade nos moldes que ocupa ainda atualmente é um dos espaços de violências institucionais que mulheres que são mães sofrem, violência no campo psicológico, que nos adoece, nos fere e nos nega o acesso digno à educação.

* Este texto é uma releitura e adaptação, de um desabafo que eu mesma escrevi em meu último ano de graduação.


Sobre a autora: Luana de Paula Santos, mãe do Luís, Professora de Desenvolvimento Infantil efetiva no munícipio de Osasco, Pós - graduanda em Humanidades: Educação, Política e Sociedade no IFSP/Pirituba, Pós - graduanda do MBA em Gestão Escolar - USP Esalq, Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras/Libras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Licenciada em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho, Licenciada em História pela Universidade Federal de Mato Grosso/CUR, Doula e Facilitadora de Aleitamento Materno, Colunista do Núcleo Materna.

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