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A Defesa ao Aleitamento e a Não Observação da Violência Contra a Mulher

"Para amamentar é preciso entrega e paciência. A mãe necessita de introspecção, estar em contato com seu eu e de muito apoio emocional. O bebê se alimenta de leite, como também de contato permanente com sua mãe. Diante das temáticas apresentadas em agosto, trilharemos um diálogo entre a importância do aleitamento (agosto dourado) e do movimento sobre a violência contra a mulher (agosto lilás).

Esses dois aspectos podem atravessar diferentes contextos sociais, evidenciando a fragilidade da mulher-mãe e o desamparo na rede de proteção social"

Um estudo realizado por FIORETTI e colaboradores em 2018 aponta, que das 302 puérperas presentes na pesquisa, 43% relataram maus-tratos ao longo da vida, 7,6% no último ano e 4,6 % estiveram em situação de violência física durante a gestação.


É no mínimo curioso pensarmos na forma que a construção desse papel materno ocorre, como na qualidade da vinculação afetiva entre mãe e filho. O cenário de proteção e garantia do desenvolvimento saudável abre espaço para uma infinidade de impactos na vida dessa mulher e na vida da criança. Comumente, pessoas que sofrem violência em algum nível, podem apresentar dificuldades na autoestima, autoimagem distorcida, insegurança, falta de confiança, medo elevado, estado de alerta contínuo devido à elevação do estresse, sendo fator de risco aos adoecimentos mentais, como depressão e ansiedade. Em contato com o bebê, a mãe pode rejeitá-lo ou ainda protegê-lo substancialmente, por acreditar não ser capaz efetivamente de oferecer a ele, cuidados, amor e nessa esfera, proteção contra os efeitos da violência sofrida.


Os impactos não atingem somente a mulher-mãe, ao olharmos para o tocante do desenvolvimento infantil, desde o início da concepção, à medida que ela perde seu espaço orgânico, psíquico e social, é promovido nessa estrutura, considerável ampliação para que o bebê se desenvolva de forma segura e saudável. A interação com o meio oferece à essa criança por nascer, informações que a preparam para a vida fora do útero, sendo essas experiências iniciais as que organizam o cérebro, arquitetam a personalidade e servem como base para a vida adulta. É por este ângulo que vale salientar que todo processo que ocorre no corpo (bio) deixa uma impressão psicológica (mente) e essas modificam a arquitetura cerebral. O que a mãe sente e pensa é comunicado ao seu filho, quase que inevitavelmente como os efeitos do uso de substâncias, como o álcool e a nicotina.

O agressor por sua vez, não só afeta a relação conjugal, a subjetividade dessa mulher, mas pode estar preparando o cérebro do próprio filho para um risco maior de depressão, hiperatividade, distúrbios de comportamento e uma infinidade de sequelas. Havendo indícios de problemas do sono, dificuldades digestivas e irritabilidade, principalmente diante de mães emocionalmente fragilizadas/perturbadas. Um outro ponto importante, é entendermos que diante da interseccionalidade materna, a mãe pode não conseguir sair do ciclo da violência, por aspectos estruturais, culturais, econômicos e psicológicos, ou ainda, por acreditarem que são culpadas culminando em um maior sofrimento, afastamento social, desacreditando na função da rede de ajuda e apoio, e no reconhecimento da própria subjetividade.


“Tenho medo quando ele chega muito tarde. Tudo vira um caos, a minha bebê não para quieta, eu fico nervosa, parece que ela sente que o pai chegou alterado”.


“Não tem mais o que ser feito, né?! Ele não queria o bebê, então é isso mesmo, eu preciso pagar”


“Me dói muito quando ele diz que sou inútil, que não faço nada, que depois que tive minha filha, eu estou relaxada. Mas sou eu que acordo nas madrugadas, eu que faço tudo da casa, como ele quer me ver?”


“Minha mãe dizia que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Tenho vergonha de falar pra ela”.


Dessa forma, defender o aleitamento é sim importante, mas para além dele, existem mulheres que tem esse cenário anulado, por condições que estão para além da imagem de uma mulher segurando seu filho no colo, ofertando o mamá exclusivo e em livre demanda. Muitas encontram nessa oferta de colo a proteção para não serem agredidas, e outras ainda que estejam com o bebê são violentadas, está para além de lutar pela via em que a amamentação ocorre, também é evidenciar a importância de espaços de fala, onde elas possam ainda que minimamente, encontrar recursos que auxiliem na diminuição dos danos provenientes dessa realidade, até sentirem-se seguras em tomar a melhor decisão pra si e para os seus.


Um dos passos para o enfrentamento dessa temática é os profissionais de saúde, amigos e familiares, reconhecerem a presença desse risco. Observando na fala dessa mãe, indícios de uso de drogas (aqui também entram os medicamentos controlados), histórico de depressão, visitas frequentes ao pronto-socorro (para ela, para o bebê), ferimentos constantes e sem explicação. Oferecer escuta. Intervenções e apoio profissional apropriada, caso ela aceite. Para que a mulher-mãe se sinta segura em compartilhar com você a violência, é importante proporcionar um ambiente de respeito sem juízo de valor, quantas vezes ela precisar.


Vamos juntxs?


Referências:

Fiorotti, K. F.; et al. Prevalência e fatores associados à violência doméstica: estudo em uma maternidade de alto risco. Vitória, Espírito Santo. 2017

Gutman, L. A maternidade e o encontro com a própria sombra. 11a ed. Best Seller: Rio de Janeiro, 2017.
Sani, A. Mulher e mãe no contexto de violência doméstica. N18. Vila Franca de Xira, Portugal. 2008
Verny, T. & Weintraub, P. O bebê do amanhã: um novo paradigma para a criação dos filhos. Barany Editora: São Paulo, 2014


Sobre a autora: Marcella Sandim é mãe da Anna Luiza e da Giovanna, Psicóloga CRP 05/41550 especialista em Maternidade, Psicologa Perinatal e Ativista pela Saúde Mental Materna, mantém a plataforma Aprimorar Materno no Facebook e Instagram, um canal de compartilhamento, prevenção e divulgação de temas sobre o desenvolvimento humano, gestação/parto e pós parto, orientação vocacional, psicologia, família, possibilidades e muita humanização.

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